Um conto de Denis Cruz
Zalika, menina de pele negra, estava sentada no terreiro de casa, olhando para o homem de terno encardido que conversava com sua mãe. O homem ela conhecia. Era um missionário que sempre estava pelas vilas ali perto, acompanhado de um tradutor chamado Taú. Ele falava de um tal Jesus, de sua morte numa cruz e de um lugar chamado céu, onde haveria tudo de bom, para sempre.
– [Zalika já tem idade para ser vendida] – dizia a mãe da menina em um dialeto africano, enquanto Taú traduzia o missionário.
A conversa já durava um bom tempo, e a cada frase o pequeno coração da menina se apavorava ainda mais. Sua mãe falava em vendê-la para comprar alimento para a família. Taú traduzia as palavras do pastor, mas nenhuma parecia convencer a mãe. Zalika estava com medo. Não sabia o que acontecia com as meninas ou meninos vendidos; só sabia que eles nunca mais eram vistos.
– [Então o missionário comprará sua filha] – disse Taú e a mulher silenciou. – [Não a venda para os traficantes que rodeiam a vila. O missionário a levará agora, se a senhora permitir.]
O Pastor Jacó tirou algumas notas do bolso do paletó suado e as estendeu para a mãe da menina. Ela pegou o dinheiro e o contou, gritando em seguida:
– [Menina! Pegue o que é seu e vá com esse homem daqui].
Aproximando-se de Zalika, Taú lhe falou baixinho:
– [Não precisa pegar muita coisa. Você não vai precisar.]
A menina entrou no casebre armado com tocos e coberto de palha. Além de uma boneca suja e esfarrapada, não tinha mais o que pegar. Saiu com a bonequinha pendurada na mão e olhou para a mãe que sequer virou-se para ela. Zalika esperava alguma palavra de despedida; talvez um beijo, ou um abraço. Nada recebeu.
O missionário Jacó segurou em sua mão encardida e a conduziu para dentro de um carro. A menina olhou para trás, fitando dois irmãos tão negrinhos como ela, sentados no terreiro. Pensou sobre o futuro deles e temeu pelo próprio futuro, pois não sabia o que lhe iria acontecer.
O carro sacolejou na estrada de chão, levantando poeira vermelha. Jacó tomou algo de um cantil e o estendeu para a menina, dizendo algumas palavras que ela não entendeu. Mesmo assim tomou do líquido fresco do cantil. Era algo tão bom, sem gosto e ao mesmo tempo tão gostoso.
– [É água limpa] – explicou Taú em seu dialeto e riu com a expressão de surpresa da garota. Sabia que ela, possivelmente, nunca havia tomado água que não fosse suja.
Quando o carro finalmente parou na fronteira, soldados olharam para dentro e começaram a discutir qualquer coisa com Jacó e seu tradutor. Zalika suspeitava que o motivo da discussão era sua presença naquele carro, pois os soldados gritavam e apontavam os dedos e armas para ela.
Mais uma vez Jacó colocou a mão no bolso e a menina lembrou-se de suas histórias sobre Jesus: “Ele pagou um preço por você”; “Jesus, na cruz, pagou com a própria vida para que você pudesse ser salva.” Será que o missionário estava, naquele momento, pagando por ela?
Os soldados abriram caminho e Taú limpou o suor da testa, voltando a falar com Jacó, sem ela conseguir entender a língua deles.
Depois de muito tempo na estrada, entraram numa cidade, passando por várias ruas e estacionando em frente a uma casa grande de paredes com a pintura corroída.
– [Dora, esta é Zalika] – Taú a apresentou para uma senhora de pele morena, bem mais clara que a sua.
A mulher sorriu e ao mesmo tempo a avaliou, mexendo em seus cabelos fartos e encardidos de poeira e olhando embaixo das unhas imundas. Resmungou alguma coisa que fugiu ao entendimento da menina e a puxou para o pátio da casa, levando-a até um tanque e esfregando-lhe as mãos. A mulher gritou algo para dentro da casa e uma moça veio em seguida, com um copo cheio de um líquido que parecia água barrenta.
– [Prove!] – disse Dora, numa tentativa de falar o dialeto da garota.
Zalika deu uma pequena bicada no copo e depois o tomou de uma vez só, sentindo o gosto adocicado e, para ela, indescritível.
– [Leite com chocolate] – Taú explicou de novo. – [Mais tarde você pode tomar mais.]
Dora a levou primeiro para o pátio, onde seu cabelo foi lavado e cortado. Depois Zalika foi para o banheiro e não acreditou que estava debaixo de um jorro de água limpa. Várias vezes ergueu a boca e fartou-se.
Em seguida a governanta lhe deu roupas limpas e mostrou seu quarto, que era dividido com outras cinco meninas, todas resgatadas das vilas das redondezas; todas vítimas de alguma violência daquele cenário de guerra.
Depois de se arrumar, Zalika olhou sua própria imagem no espelho. Cabelos aparados e penteados. Pele limpinha e rosto sem aquele acúmulo de poeira grudando no canto dos olhos. Havia um belo sorriso naquele rostinho de menina quando outra garota a puxou pela mão e a arrastou pelos corredores da grande casa, até alcançarem uma sala onde havia uma mesa, com várias meninas sentadas. Na ponta estava Jacó, Taú e Dora.
– [Feche os olhos que o pastor Jacó vai orar.] – disse a nova amiga.
Zalika fechou os olhos e ouviu as palavras sem sentido do missionário. Todas as meninas começaram a se servir. Havia pão, manteiga e um caldo maravilhoso (era apenas macarrão e legumes, mas para Zalika, como eu disse, era maravilhoso). A recém chegada se fartou. Nunca na vida tinha comido algo tão gostoso. Nunca na vida tinha comido em tanta quantidade e, por isso, a fome tinha sido uma parceira indesejável, porém constante. Lembrou-se dos banquetes que o missionário falava quando ia na vila.
– [Você sabe onde está?] – perguntou-lhe a menina à sua frente.
– [Eu sei] – Zalika respondeu com um sorriso franco, revelando um pão dentro da boca. – [Eu estou no Céu!] – e algumas lágrimas caíram de seus olhos.
—
PROJETO DE LEITURA
Tema: Caridade, missão, evangelismo, céu.
JUSTIFICATIVA
No cenário mundial é comum flagrarmos situações de total abandono e violência à criança. O estado de miserabilidade é terrível em muitos países e as crianças são as grandes vítimas.
Algumas pessoas, movidas por um senso de caridade, atuam de maneira maravilhosa para amenizar o impacto da violência e miséria na vida de crianças. É importante, assim, que o jovem compreenda o que é caridade e seja motivado a ter mais amor e compaixão pelo próximo, mediante ações concretas.
OBJETIVOS
Entender a miséria que há no mundo.
Compreender quão abençoados somos, em detrimento de algumas dificuldades.
Motivar atos de caridade.
SUGESTÕES DE ATIVIDADES
- Apresentar a palavra “miséria” e deixar os desbravadores darem seus conceitos sobre ela.
- Apresentar a palavra “caridade” e deixar os desbravadores darem seus conceitos sobre ela.
- Pesquisar sobre locais no mundo onde a miséria é um grande problema. Quais os motivos de tal miséria? Quais ações sociais estão sendo feitas nesses locais?
- Ler o texto e propor as seguintes questões:
- Por que o pastor estava naquele local? Por que ele mantinha uma casa de abrigo para crianças?
- Como era o relacionamento de Zalika com sua mãe? Ela esperava que fosse diferente?
- Existe no mundo pais que vendem seus filhos?
- Por que Zalika achou que estava no céu?
- Se compararmos a vida do jovem desbravador de seu Clube com a de Zalika, qual a diferença? O que os desbravadores possuem que Zalika não possuía em sua casa?
- Após a leitura, iniciar um diálogo com os desbravadores, questionando:
- Existem situações parecidas com as de Zalika próximas de onde vocês estão?
- O que os desbravadores podem fazer, concretamente, como forma de levar um pedacinho do céu para essas crianças?
SUGESTÕES DE AÇÕES
- Identificar uma casa de abrigo de crianças e agendar uma visita.
- Levar brinquedos e/ou roupas para essas crianças.
- Fazer um piquenique com as crianças do abrigo. (nossa sugestão é que o piquenique seja com frutas e pães levados pelas crianças e que também tenham atividades no local – nada que ultrapasse mais de uma hora e meia).
Clique AQUI para baixar o conto e AQUI para baixar o plano de leitura.
Nossa! muito bom. Parabéns pelo conteúdo desta página, cada vez melhor!